v. 1 n. 12 (2021): A Inquisição em foco, dois séculos após sua extinção: estruturas, personagens, vítimas e possibilidades de análise.
O dossiê que aqui apresentamos à Revista Mnemosine é fruto de um convite feito aos organizadores pelos responsáveis pela Revista e foi proposto e pensado a partir dos esforços de reflexão em torno de uma data marcante para os estudos acerca do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Portugal: em 2021, comemorou-se os 200 anos de sua extinção, ocorrida por votação unânime das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação portuguesa em 31 de março de 1821, naquele alvorecer da monarquia constitucionalista lusa. O encerramento das atividades inquisitoriais, após 285 anos de atuação e milhares de denúncias, confissões e processos, foi dos mais importantes desdobramentos da Revolução Liberal do Porto, ocorrida em 1820, e que teve ainda como uma de suas consequências, na outra franja do Atlântico, a independência do Brasil, em 1822 – data marcante da qual agora celebramos igualmente o bicentenário, apesar de outras independências que se fazem cada vez mais urgentes em nossa realidade – a dar fim aos mais de três séculos de dominação política portuguesa na América. Ventos de liberdade, cada um ao seu modo, que permitiam a Portugal e Brasil novos rumos e sonhos de progresso, sabemos bem, nem sempre concretizados. A importância da efeméride pode ser medida pelo conjunto de atividades e produções que se preocuparam em discutir a Inquisição e seu mundo: eventos acadêmicos, projetos de pesquisa, dissertações e teses, livros, artigos e dossiês em várias revistas científicas, envolvendo pesquisadores do Brasil, Portugal e de outros países, dentro e fora do alcance de atuação da Inquisição portuguesa. Sinal de que o tema continua a despertar interesses. Neste sentido, seria equivocado afirmar que o tema só ganhou força pela data que ora é relembrada: nas últimas décadas, os estudos sobre a Inquisição portuguesa, seus agentes e personagens têm ganhado cada vez mais destaque, espalhados por universidades de todo o Brasil (isso sem falar, como frisado acima, nas universidades estrangeiras – Portugal em especial, mas não só), consolidado como área de pesquisa das mais relevantes sobre a Modernidade. Em boa parte, estes avanços têm sido possíveis pelos esforços tecnológicos; de cooperação internacional seja entre entidades governamentais, entre pesquisadores ou ainda, entre instituições de pesquisa; de democratização do acesso às fontes, como a digitalização e disponibilização de acervos documentais referentes à Inquisição portuguesa (em especial, no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal), bem como, para citar o caso brasileiro, aos altos investimentos no ensino superior e processo de crescimento e interiorização dos programas de pós-graduação durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff e que, infelizmente, regrediram a números muitíssimo menores no período pós-golpe de 2016. O fato é que a recente historiografia inquisitorial, alçada a lugar de destaque a partir dos estudos de Anita Novinsky, Eduardo de Oliveira França, Sonia Siqueira, Elias Lipiner, José Antônio Gonsalves de Mello e José Gonsalves do Salvador, entre as décadas de 1960 e 1970, ganharam entusiastas que foram, aos poucos, sedimentando o campo de estudos. Cada vez mais mergulham nesta documentação explorando possibilidades variadas, para além dos estudos de caso e das análises acerca da estrutura e funcionamento do Santo Ofício, utilizando-se de novas teorias e metodologias de pesquisa, de relações interdisciplinares, com cruzamentos de fontes diversas, abordando questões cada vez mais atuais na sociedade e na historiografia, como os estudos culturais, étnicos e os de gênero. Passou-se a olhar a Inquisição e o seu mundo para além das análises clássicas, dos estudos de caso envolvendo suas vítimas, da estrutura de funcionamento do tribunal, cruzando fontes do Santo Ofício com outros materiais, envolvendo novas perspectivas de pesquisa e avanços metodológicos, propondo abordagens inovadoras inclusive de documentos e casos já analisados
sobre outros vieses.
Coordenadores do Dossiê:
Angelo Adriano Faria de Assis (Universidade Federal de Viçosa - UFV)
Marcus Vinícius Reis (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA)