v. 1 n. 5 (2014): Africanidades
Passados mais de 126 anos desde o final oficial da escravidão no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, ainda sentimos, nos dias de hoje, os reflexos de termos sido o último país das Américas a abrir mão do trabalho forçado, em que algumas pessoas da sociedade detinham o direito de propriedade sobre outras pessoas. A abolição da escravidão, por se celebrar na pompa oficial com um feriado nacional, mascara um passado que se quer esconder: o permeado por histórias de tragédias, preconceitos, injustiças e violência nas relações econômico-sociais, em que centenas de milhares de negros passaram, da noite para o dia, de um regime de dor, exploração e humilhação, para um regime pré-democrático, em que a igualdade de direitos e oportunidades deveria prevalecer. A História, infelizmente, contanos outro enredo: aquele em que os negros e os seus descendentes foram alijados e/ou não adequadamente integrados às regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado. Com base no Censo de 2010, énos permitido saber que a população negra soma hoje 50,1% dos cidadãos brasileiros e que existe – ou melhor, que ainda persiste – um abismo entre brancos e negros difícil de ser ultrapassado. Sem ficar nos números, que podem ser consultados no site do IBGE (www.ibge.gov.br), basta observar o acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento e educação, e as informações econômicas relacionadas à renda e ao emprego, para percebermos que muito ainda temos que avançar rumo a tão propalada democracia racial. Mesmo com as marcas visíveis deixadas pela escravidão e os fenômenos relacionados a ela na formação da sociedade brasileira, muitas pessoas e pesquisadores das Ciências Humanas fazem seus escritos como se no Brasil nunca tivesse existido escravidão. Dentro da necessidade de se ampliar ou de não se fazer esconder o passado que nos toca, é que este Dossiê – “A escravidão e seus vestígios” – foi organizado. Em seus pouco mais de “500 anos de história”, o Brasil contou com o sistema escravista nada menos que 388 anos. Neste período, como nos ensinou Luiz Felipe de Alencastro, em O trato dos viventes, “a escravidão não dizia respeito apenas ao escravo e ao senhor, mas gangrenava a sociedade toda”, criando um padrão de relações sociais e de trato político que deixou marcas graves na sociedade brasileira.