v. 1 n. 8 (2017): História e Linguagens: Arte e Sociedade
Carl Schorske, em seu belíssimo livro Pensando com a História, apresenta aos seus leitores as particularidades de Clio, musa da História, a qual tece o seu tecido com os fios colhidos em outras disciplinas, formando um mosaico único que chamamos de narrativa histórica. Segundo o autor, a habilidade maior desta musa está em saber trançar os materiais colhidos e os conceitos adotados, que não necessariamente foram plantados ou criados por ela, em um tear do tempo que de fato é seu, construído a partir de perspectivas particulares, próprias do seu oficio. Pensar a história como um campo interdisciplinar não é apenas admitir a possibilidade de se utilizar objetos e conceitos de outras áreas para a construção do conhecimento histórico. Ao contrário, é partir do pressuposto de que o historiador pode estabelecer canais de comunicação a partir das especificidades do seu ofício, fazendo perguntas e estabelecendo interlocuções que o diferencie dos sociólogos, dramaturgos, cineastas,
críticos, etc. Sendo assim, eleger um objeto artístico como fonte de uma dada pesquisa requer, por parte dos pesquisadores, o enfrentamento dos desafios teórico-metodológicos inerentes a um espaço de conhecimento que se encontra nas fronteiras entre saberes específicos. Cabe, tal como proposto por Carl Schorcke, tornar “significativas e frutíferas” essas relações, construindo uma trama que permita o enfrentamento de novas e instigantes questões. Tal reflexão diz muito sobre os trabalhos que serão apresentados nesse dossiê, haja vista que o elemento que os unem é justamente esse olhar múltiplo para o campo historiográfico, compreendendo os homens (tanto os estudados, como os que os estudam) como seres multifacetados, entremeados em diferentes teias de relações, as quais podem (ao menos parcialmente) ser apreendidas a partir das linguagens artísticas outrora construídas por eles. Sob esse prisma, a ideia chave para a compreensão dos mesmos é o de interdisciplinaridade, pensada aqui não apenas como teoria, mas como uma segunda pele que reveste desde a escolha dos temas até a urdidura dos textos. Neste sentido, o diálogo entre História e Arte pressupõe não apenas encarar o estudo das linguagens e da ficção (em qualquer recorte temporal e espacial) como objetos de pesquisa para o historiador, como também a constante compreensão e desafio do próprio fazer histórico e sua escrita como variantes de perspectivas representacionais, simbólicas, de formação e de contatos com determinados grupos sociais e de estudo. Por outro lado, uma problemática que se apresenta é se debruçar sobre questões da especificidade da análise da obra-de-arte, seja ela cinema, teatro, música, literatura ou artes visuais. Ao prender-se em uma visão mais “panorâmica” da história da arte, as ideias e as diversas obras são estudadas como pontos abstratos que, em conjunto quantitativo, formam o número de produções ao longo da história. Analisar dessa maneira não significa perder a ligação que elas compõem entre si, mas, sobretudo, compreender suas peculiaridades e as singularidades de seus autores naquele determinado momento de produção. Dessa forma, buscou-se trabalhos que conciliassem, independente da região ou período da pesquisa, esse contato entre o interno e o externo da obra (suas características estéticas e sociais), unindo texto e contexto – para utilizar um termo de Antonio Candido. Sob esse prisma, parte-se do pressuposto de que a História é um campo múltiplo, que acolhe uma infinidade de possibilidade de temas, bem como de perspectivas teórico-metodológicas. E é justamente essa diversidade e interdisciplinaridade, bem como o rigor intelectual e interpretativo, as marcas que este dossiê busca trazer aos seus leitores. Por isso, para além do eixo principal “História e Linguagens”, tem-se aqui algo mais amplo que é a relação entre cultura e homem, em diferentes temporalidades e espaços.